sábado, 15 de janeiro de 2011

Suspensão

Por razões alheias à vontade do seu autor, fica temporariamentre suspenso o acrescento de nova informação a esta página pessoal.
.
J. Ferreira

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um mover de olhos, brando e piedoso

.

Um mover de olhos, brando e piedoso

Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

.

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

.

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:

.

Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

.

Dos textos de Camões até agora estudados, este é o segundo em que ele usa a primeira pessoa, em que põe em evidência a sua relação pessoal com a mulher a que alude. Neste sentido, há alguma aproximação ao que se passa com as Endechas a Bárbara. Mas mesmo em relação a esse poema, nota-se uma diferença: lá ele usa o presente, aqui pretérito. Lá ele fala duma experiência actual, em curso; aqui parece que tudo é passado.

Este poema compõe-se claramente de dois momentos, um constituído pelas três primeiras estrofes e outro pelo terceto final.

Nas três estrofes, é curiosa a presença constante do artigo indefinido catafórico. Ele antecipa, mas não dispensa aquele pronome esta, esse sim anafórico. Nessas estrofes, o sujeito poético reflecte, rememora os traços marcantes da sua antiga Circe, daquela que o enfeitiçou. Não faz propriamente o seu retrato, mas delineia-o. Ao longo delas, à parte a enumeração, um ou outro encavalgamento, os processos estilísticos estão quase ausentes: é como que uma análise em contemplação.

No terceto final, a chave de ouro, essa abunda em processos poéticos: as hipérboles, a antonomásia e a metáfora.

Repare-se na seriedade com que o poeta trata o tema amoroso… mesmo se ele já não faz a sua felicidade.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Sete anos de pastor Jacob servia

.

Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela,

Mas não servia ao pai, servia a ela,

Que a ela só por prémio pretendia.

.

Os dias na esperança de um só dia

Passava, contentando-se com vê-la:

Porém o pai usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

.

Vendo o triste pastor que com enganos

Assim lhe era negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida,

.

Começou a servir outros sete anos,

Dizendo: - Mais servira, se não fora,

Para tão longo amor tão curta a vida.

.

Soneto narrativo, de assunto bíblico e pastoril (ou bucólico), esta história de um amor paciente, sofrido é muito ao modo de outras histórias, reais ou imaginadas, que Camões contou nos seus sonetos ou n’Os Lusíadas.

Actualmente, os poemas narrativos são menos comuns.

De notar os jogos de palavras, como “não servia ao pai, servia a ela”, um ou outro encavalgamento (do primeiro verso para o segundo, por exemplo), a repetida utilização do número simbólico bíblico sete, a introdução do discurso directo e da antítese na chave de ouro.

Veja aqui outros poemas camonianos de tema bíblico ou religioso.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Se Helena apartar

Se Helena apartar

Do campo seus olhos,

Nascerão abrolhos.

.

A verdura amena,

Gados que paceis,

Sabei que a deveis

Aos olhos de Helena.

Os ventos serena,

Faz flores de abrolhos

O ar de seus olhos.

Faz serras floridas,

Faz claras as fontes...

Se isto faz nos montes,

Que fará nas vidas?

.

Trá-las suspendidas

Como ervas em molhos,

Na luz de seus olhos.

Os corações prende

Com graça inumana;

De cada pestana

Ua alma lhe pende.

Amor se lhe rende

E, posto em giolhos,

Pasma nos seus olhos.

.

Neste poema, Helena é uma mulher extraordinária. Ele parece começar onde acabam os “Verdes são os campos”, quando a jovem de lá já criava a erva que os gado comiam. O cenário bucólico é comum aos dois.

Notar o que há de atitude “poética” na confidência com a natureza.

O verso central das glosas divide o vilancete em duas partes. As magias anteriores, fá-las a jovem nos montes; o que se segue responde à pergunta: “que fará nas vidas?”

Se tomarmos a primeira parte em sentido mais ou menos denotativo, Helena é, pelo feitiço do seu olhar, aparentada com Orfeu, o poeta que com o seu canto levava atrás de si a natureza. Não será porém impossível tentar ler esses versos em sentido alegórico: verdura, gados, ventos, flores, serras, fontes, montes, falar-nos-iam do amor, da emoção, do gozo, do enamoramento produzidos pela presença de Helena entre os seus admiradores.

Neste caso, a segunda parte diria, em linguagem menos poeticamente cifrada, o que já estava dito na primeira. O feitiço do olhar da jovem mantinha-se igualmente activo.

O vilancete surge carregado de subtilezas, enigmático, em afirmações paradoxais – todo ele é paradoxal.

Atenção às hipérboles (haverá no poema alguma afirmação que não seja hiperbólica?), anástrofes, apóstrofes, anáfora, interrogação retórica... muitas imagens...

Medida velha, medida nova e soneto

A expressão medida velha aplica-se à poesia produzida ao modo tradicional, anterior à chegada das novas formas e temas – medida nova – trazidas da Itália em 1526 por Sá de Miranda. Enquanto na medida velha se usava predominantemente a redondilha – maior ou menor (7 e 5 sílabas) – na medida nova domina o decassílabo e por vezes o verso heróico quebrado (6 sílabas).

Camões escreveu muitos poemas em medida velha e muitos mais em medida nova.

A medida nova renovou profundamente a poesia. Entre as suas formas poéticas, destacam-se o soneto, a canção, a écloga, a elegia, etc.

.

O soneto é uma forma poética fixa criada na Itália no século XIII e que resistiu ao desgaste dos séculos, chegando à actualidade. Nenhuma outra teve tal sucesso.

Em Portugal, só são conhecidos sonetos escritos após 1526, ano da introdução do Renascimento. O soneto era assim uma forma recente ao tempo da juventude de Camões, que foi o nosso melhor sonetista.

Hoje esta forma poética cultiva-se pouco.