sábado, 4 de junho de 2011

Algumas palavras sobre o conto "O Homem" de Sophia de Mello Breyner

A acção de O Homem decorre no movimentado “centro do centro da cidade” (do Porto). Fala de um homem anónimo, solitário no meio da multidão, que carrega uma criança invulgarmente bela, como aliás o mesmo homem. Mas a narradora acaba por fixar sobretudo o olhar do protagonista. Aquele olhar, ela conhece-o, melhor, reconhece-o.

Procurando nos escanos da sua memória, encontra-o associado às palavras de Cristo na cruz: “Pai, Pai, por me abandonaste?” (as palavras de Cristo na cruz foram as do Salmo 22, “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”) São as palavras de alguém no limite das forças, que já não espera qualquer socorro humano e se sente mesmo abandonado por Deus.

Quando isto descobre, a narradora volta para trás à procura do homem, mas o movimento da cidade dificulta-lhe a caminhada. Quando está já perto dele, ele tomba no chão. Ela apressa-se, mas agora, todas as pessoas que não tinham reparado nele se aglomeram em seu redor e ela não consegue aproximar-se. Em breve chega uma ambulância, que o leva.

O fecho do conto é em paradoxo: “O homem certamente morreu. Mas continua ao nosso lado. Pelas ruas”.

O homem e a mulher nos limites da resistência humana estarão sempre connosco e a nós cabe-nos descobri-los e auxiliá-los, enquanto é tempo.

Sem comentários:

Enviar um comentário